As recentes notícias que o filme serie refeito – ou o livro filmado outra vez – estimularam uma revisão, depois de alguns anos, do Carrie. A última vez que eu assisti foi há cinco anos, ou seja pouco tempo, então não houve tanto choque com mudanças. Minhas impressões mudaram muito mais quando eu vi daquela vez, com olhos um pouco mais abertos. É um filme que sofre muito na mão dos mitomanos. Ou é tratado pelo público com um grande filme, ou é visto como um De Palma menor. Talvez seja até aceitável, considerando o nível da obra do De Palma, que se considere ele menos genial. Menos genial que Blow Out, por exemplo. Ou seja, quase qualquer filme é.
Mas é um filmaço. Fiquei pensando em quanto material há ali pra ser discutido. Muitos grandes momentos típicos estão lá, mas são tantos as outras singularidades. A ousadia no senso de humor, grosseiro, e pastelão. O que falar da sequência em que o Tommy e seus parceiros, que até então eram figurantes e voltam a ser depois, compram roupas? Aliás, tratamento dado a quem está em cena, algo clássico do cineasta, é foda demais. Todo mundo está em cena, tudo é palco – cada pessoa no fundo do quadro tem um sorriso irônico, uma maldade escondida.
O que dizer dos olhares dedicados as meninas, sempre com sorrisos ambiguos demais. A cena da coroação, a hora da ópera do De Palma, é perfeita, câmera acompanha o movimento da menina entregando os votos, tapa na escada, câmera vêm acompanhando o caminho de tudo até ver a Amy Irving. Ali está dado a máxima dúvida em cena, tornando ainda mais brilhante a atuação do William Katt, no limite da gentileza, da falsidade, mas duma falsidade do tipo que não sabe qual. No momento em que ela está postada ali, no caminho do sistema, somos levados a inclui-la, uma vez que a câmera continua no caminho dele até terminar no reenquadramento do alto, onde o casal se torna rei e rainha. É simples e sofisticado – votos são alterados para que o golpe se instale, os autores do crime avisados, e aviso da concretização dado, ao fim do movimento. A interrogação está ali no momento em que o rosto de Amy aparece no traçado, e desevenda nos planos seguintes, onde cada luz no rosto da Amy Irving reforça o ressignificado e a mentira, mais uma vez, como fonte maior da dramaturgia do De Palma. Mas, moralmente, seria ela menos envolvida que os outros? Embora poupada pela parábola do King, autor do livro, enquanto a Carrie não poupa mais a ninguém, diante da maldade que cega seus sentidos… Difícil dizer se ter que viver eternamente amedrontada com o fato de que ela nunca soubesse de suas intenções, o filme parece apontar para uma perdição. Ainda sobre os olhares femininos, o De Palma tem uma compreensão exatamente do que é mais incrível na Nancy Allen, aquilo que de mais vulgar, mas diria que a singularidade é que é fascinante, em todas, por isso a beleza da Sissy é tão perfeita – não é nada óbvia, e, pode ser maluquice, fica mais bonita ensanguentada. Não dá pra finalziar sem mencionar o Billy Nolan, o personagem mais genial do mundo, o mais boçal da história do cinema, por isso mesmo fascinante, ele não responde uma frase com outra coerente, o tipo de atuação genial que os preguiçoso vão taxar sempre arquétipa e canastrona.
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