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Revi este filme do Sam Raimi que é geralmente tratado como um de seus trabalhos menos curiosos. Sempre gostei. Mas a lembrança era realmente distante, lembrava apenas tratar-se de um faroeste com uma olhar maneirista. Nada disso deveria surpreender ninguém que conheça o Raimi, mas obviamente isso não garante ao filme defesa.

O Raimi tem algo que é muito curioso – embora ele seja um destes cineastas que exalam as influencias, as construções reimaginadas, seu estilo, exceção feita a Um Plano Simples, é bem definido. Ele é um cartunista. Isso é fácil de identificar num Evil Dead, especialmente no Uma Noite Alucinante, onde o delírio se materializa sem que nada que aconteça na tela pareça verdadeiramente concreto. A alucinação não é táctil. No Rápida e Mortal, o Raimi reconstrói o universo mais simplório do western – num cenário curto, acanhado. de uma pequena ruela, diversos personagens comuns desse mundo se cruzam – a dama forte, buscando vingança, um bandido que comanda a cidade com sangue nas mãos, o bandido outsider que se torna pastor e termina pregando com o gatilho mais rápido do lugar, e o filho bastardo do vilão, um garoto marginalizado e sedento por um duelo com o pai. O que Raimi faz é levar esse estilo ágil, insano e vicioso ao videogame. O filme-videogame de Raimi antecipa, em muito, uma tendência que se tornaria muito concreta agora – há jogos, como LA Noire, que são muito mais inspiradores ao cinema do que grande parte dos chamados filmes de hoje. Mas isso não é o ponto – o filme é muito interessante. Não está apenas nos movimentos excessivos, no ritmo alucinante dos duelos, está na própria criação do espaço no filme. Na relação dos personagens, no espaço físico – onde seguramente poderia se trafegar num jogo sem se exigir os enormes mapas que os atuais possuem – e na construção estrutural, toda em torno de duelos que vão eliminando seus personagens, chamados pegajosamente de The Kid, Preacher, e afins. Seria interessante pensar porque o cinismo do Raimi consegue formar algo tão delicioso com esse tipo de material, mas funciona tão pouco quando se reduz a si, como no caso do The Gift e do citado Um Plano Simples. Sei que ele tem fãs que gostam mais desses filmes do que dos arrojados. Seria uma discussão válida. Enfim, acho que ele alcançou seu melhor em outros filmes, como o Darkman e o Noite Alucinante, onde a harmonia era total, mas não creio que o Rápida mereça o silêncio histórico.

Só fui ver o Source Code agora, um tanto de tempo depois de ele ser tão ‘comemorado’ pela crítica pelo mundo. Enfim, sempre desconfio dos achados da crítica oficial como Duncan Jones. O filme tem lá seu interesse, constrói bem o labirinto em que o personagem do Jake Gyllenhaal se encontra. Seu personagem é vitíma de uma experiência militar que se utiliza do cerébro dele para tentar solucionar eventos terroristas, lhe dando um campo de 8 minutos pra retornar no tempo antes de uma tragédia e desvenda-la, quantas vezes for necessário. A insistência do personagem em não admitir que a realidade que ele sente e confia não ser virtual é algo irrelevante é o ponto alto, nenhuma imagem é menor que outra. Também curto a parte em que ele descobre que a ‘capsula’ é fruto de sua própria criatividade. Acho que a ação do trem é bem orquestrada, mas pra lá de desinteressante. A ideia do retorno é boa, embora muita gente pregue uma criatividade absoluta no filme, que não é bem verdade. Ele sabe fingir criatividade repetindo expedientes de tantos filmes de volta no tempo. Acho que o filme de fato está longe de ser mediocre, é talentoso, oferece material pra discutir, tenta reorganizar ideias muito utilizadas… Talvez seu maior defeito não esteja mesmo nele, tenho muitas dúvidas se não está, que é a presunção de algo muito forte ocorrendo ali. Acho que o filme se vende um tanto essa obra grandiosa que se comprou, quando de fato, na prática, é algo bem mais simplório, quase um filme B.

Mas vá lá, dá pra desconsiderar um pouco essa impressão, e deixar de pegar no pé de quem não tem nada a ver com o filme – vale ser visto.

Assisti ao Anjos da Lei, acho que o filme tem lá uma boa dignidade. É claro que é o Superbad refeito, mais careta e em versão policial, mas com a mesma ideia central do bromance. Só que dessa vez Channing Tatum, um galã mais conservador enquanto lá era o indie Michael Cera, é o casal do nosso agoranemtãogordinho preferido, Jonah. Nada é muito bom de fato, excessão feita para a sequência da droga, uma espécie de doce, em que os dois a consomem na escola. Esse pedaço é longo e inacreditável de engraçado. É claro que eles chutam pra todo lado, sem medo de errar, o que de fato só melhora o que atingem, a comédia auto-destrutiva. Os planos do Jonah correndo com atletas e o do Channing Tatum tocando com a banda e depois pulando no bumbo da bateria são antológicas. Quebram ferozmente com essa caretice que eu vejo em parte do filme, embora este seja lá uma tentativa simpática de reimaginar o romance entre amigos. Não é a primeira vez que tenho esse tipo de sensação, mas quando os duplos são invertidos no filme, na volta a escola como undercovers, os dois descobrem que agora os geeks são pops e o jock um outsider, fiquei com a impressão de que o Channing Tatum ganha muito mais ao se desestereotipar como um renegado na escola do que o Jonah como um cara popular. Tudo bem que isso é meio óbvio, já que o Jonah fica babaca e o Channing gente boa. Acho que eles prolongam demais o deslumbramento do personagem do Jonah também. Enfim, o filme retoma um pouco mais de sucesso nas cenas de comédia mais puras, retomando Segurando as Pontas no jeito de abordar as sequências de ação. São oitentistas, insanas, toscamente divertidas. MEnos violentas aqui do que lá, o que é uma questão de colhão pura, até onde você leva o estilo. Quando ele assume esse lado que parece ser o seu desde o princípio, mas que as vezes fica esquecido na preparação da relação entre os dois que não vinga muito bem pra além de um ou outro momento, a parada é boa. Lembrei de uma cena antológica que tinha esquecido, quando os dois pegam drogas que estão guardadas como evidência pra fazer a melhor festa que uma escola já teve – genial. A cena da festa também parece um Superbad tosco, aliás. Pena que tudo que é legal no filme seja assim, uma versão de algo que era muito melhor noutro filme.

O nome dos caras que copiam com algum talento são Christopher Miller e Phil Lloyd. E, sim, isso é uma versão daquela série que fez muito sucesso na TV brasileira e que popularizou o rosto do Johnny Depp, embora aparte uma ou outra citação, o filme não contém nada que relacione ele em termos de estilo a série, eles simplesmente trabalham na mesma DP que Depp e o MITO Richard Grieco. Sobre o segundo, há uma história clássica que não contarei eu porque quem tem que contar é o Peter, sobre um filme que queriamos fazer com ele protagonizando.

Não sei se esse filme foi lançado em cinema aqui, apostaria que não, embora ele tenha um apelo meio óbvio até. As distribuídoras muitas vezes deixam de lançar esses filmes por motivos que fogem a compreensão mais clara – em todo caso ele é conhecido com O Solteirão e passa na TV, e imagino que eu não precise explicar porque prefiro não chamar pelo título que ganhou. Além de ser um filme indie com cara de indie, tem o Ben Stiller e é dirigido pelo Noah Baumbach.

Eu sempre tive algum tipo de interesse pela obra do Baumbach, que além de ser conhecido pela relação com o Wes Anderson, fez um tanto de filmes indie que fizeram sucesso nessa decada, pelo quais tive algum desinteresse, e até desgosto, no caso do A Lula e a Baleia. Acho que o Baumbach faz um esforço interessante em torno desse universo que ele tenta consturir nos filmes, e curto a ideia de cronista geracional que ele têm. Mas o filme dele que gosto mesmo, e que propõe esse interesse pra além do tema geral de sua obra, é o Kicking and Screaming, que é lá dos anos 90. Sempre relacionei o Baumbach ao Whit Stillman por causa desse filme, e porque via relação bem direta nessa tentativa de tomar postura diante da juventude. Acho o Kicking and Screaming consideravelmente melhor que os filmes dele, embora não os veja desde a época, o que invalida um pouco isso.

Em todo caso, fiz essa introdução pra justificar o interesse eventual e a não compreensão pela completa ausência de opinião por esses lado sobre esse filme. É certamente o melhor filme do Baumbach desde que ele voltou a ter holofotes. Acho que se o filme se permitisse menos aqueles momentos observacionais típicos dos filmes indies, tipo a cena em que ele tenta nadar na piscina até descobrirmos que ele não sabe nadar, ele seria bem melhor. Mas acho que no geral ele constrói bem demais esse universo do personagem. E o filme se coloca um desafio com o personagem do Stiller sendo uma pessoa um tanto impossível de se apreciar.

O cara é instável, agressivo, neurótico, egoísta. Não vejo o filme fazendo concessões para torna-lo amável – acho que ele começa e termina sendo um cara difícil. A baixada de guarda no fim é algo que me parece natural.

Um dos movimentos curiosos que ele faz estruturalmente é iniciar o filme dum ponto de vista da Florence, a outra protagonista, que a partir de sua entrada passa a existir em função dele apenas. A ideia do filme é o Greenberg, que é esse sujeito maluco aí, vai passar um tempo NY na casa do irmão e aparentemente querendo não fazer nada, embora sempre fazendo muito (ele trabalha o tempo todo). Ele se envolve quase sem introdução com a Florence, que é a assistente de seu irmão, que foi passar férias fora. O que se sabe sobre ele é pouco, e vamos sabendo com o tempo, como o fato de que eles esteve hospitalizado. Seu personagem é o grande desafio, pois todo o filme gira em torno de se compreender que as crises de todos existe, e embora ele cruze e agrida um pouco essas crises, os problemas de todos são tão grandes quantos os do próprio Stiller, ainda que ele seja o único que aparente uma antisocialidade – o que o próprio filme meio que nega, já que ele se dá muito bem numa festa em que não conhece ninguém. Quer dizer, se é que dá pra chamar aquilo de se dar bem. Acho que o fascíinio do filme na construção de um personagem tão duro, arredio, é que faz as vezes os outros parecerem um pouco menos interessantes, principalmente ela, que faz a indie fofinha que se interessa pelos vulneráveis. Acho que isso mascara outras complexidades, especialmente envolvendo o Rhys Ifans, que faz um antigo amigo dele. Sua atuação é brilhante, é um cara relativamente mais simpático, mas que passa longe do comum.

O filme tem uma tendência a trabalhar imagens como se elas ilustrassem as músicas, sempre que os personagens estão só, libertos em seus ambientes e mundos, e depois tornam-se a estar confusos quando dividem a cena com outras pessoas. Embora a ansiedade de Greenberg fique evidente mesmo quando ele constrói sozinho a casa do cachorro, ali ele parece no seu universo, dono de seu tempo. Quando vai ao bar ver a Florence, o lugar é aconchegante, a música é boa, a mulher é linda, e no entanto ele parece automaticamente incomodado, e jamais aceitaria um convite para sentar na mesa dos amigos dela, onde a câmera divide com ele o momento em que ele parece contar o número de pessoas que estão ali.

Acho que o Baumbach erra um pouco no último momento com aquela ideia maluca que o personagen tem de ir pra Australia. Sei que é uma forma de mostra-lo ainda instável, mas ela é meio sem sentido, boba mesmo, e cena dele relembrando que a Florence está no hospital é muito ruim. Ali, ele simplesmente não encontrou imagem que pudesse se aproximar da memória de forma menos tosca. Acho que é um momento em que o filme se perde legal, ainda que eu goste da cena bonitnha que vem depois, com eles na casa dela.

Ele se vira bem no universo de referências, embora o Greenberg tenha sido um músico, fale de música o tempo todo, e se sinta uma pessoa bem superior em relação ao mundo, o filme consegue driblar e valorizar certas coisas sem necessariamente endossar o discurso dele – basta dizer que o cara usa Wall Street, o filme do Oliver Stone, como uma referência de como ele está se sentindo. Salvo pela sequencia da festa em que ele cheira cocaína e vai colocar Duran Duran no som, como se fosse a coisa mais preciosa – e aí, eu tenho que concordar, é mesmo. A própria relação da banda, e do surto que aparentemente ele teve na época em que receberam uma proposta de contrato e recusou, o que mudou o futro da vida dele e do Ivan (o Rhys Ifans), é bem trabalhado nas conversas, nunca exatamente sendo excessivamente o assunto do filme, mas algo que dita completamente a relação dos dois. E como disse, essas relações, e esse problema internos de cada um, são o que fazem o filme. O diálogo entre o Ivan e ele no fim da festa, em que eles enfim enfrentam essa barreira do que não se fala é fenomenal. Talvez apenas um pouco melhor que a cena em que o Greenberg o chama pra compôr novas músicas, onde há um tanto de não dito entre eles, que nem estão no mesmo ambiente, mas cujos olhares mostram como eles simplesmente estão em tons e rumos diferentes. Os dois se fuderam, no fundo, com a decisão do Greenberg, mas o fato é que o Ivan se fudeu porque um amigo quis. É interessante porque o filme toma uma postura diante da proposta que ao mesmo tempo sedutora – nos daria a chance de enfim ouvi-los – mas por outro lado claramente ciente do fato que é um convite sem noção. Outro devaneio do mundo interno dele, mas que como todas as suas ideias e comentários, o Greenberg fala bem sério. Escrevendo sobre esses eventos parece que o filme é chato, e na verdade ele tem um tempo bem particular, um ritmo natural de despejar esses instantes entre eles.



Na verdade um filme feito antes de Carrie, o Obsession ficou preso durante um tempo com a distribuidora. Essas parábolas morais do Paul Schrader sempre fizeram algum sucesso, algumas nas suas próprias mãos, outras na mão de caras brilhantes com o Brian De Palma. É claro que o filme em suas mãos ganhou tons um tanto diferentes, ainda que não menos pesados, já que o filme todo parece um imenso pesadelo vivido pelo protagonista. Tudo a sua volta parece com algo remanescente de sua memória – como se o choque com os eventos do começo do filme o fizessem viver girando em torno de si. A ideia, brutamente explicando, é de que um amigo-sócio deseja cobiçadas terras que o executivo majoritário possui e por isso ele o expõe a fritura de sua consciência. Tá, eu compliquei, mas fato é que quaisquer descrições e aventuras em tentar adentrar este filme para quem se limita a se preocupar com suas resoluções objetivas será, provavelmente, irrelevante. É curioso que retornar a ele sem qualquer elemento de surpresa torna simplesmente mais fassbinderiana o lado delirante do filme, como se ele se permitisse se perder em absoluto na sua insanidade – há, obviamente, infinitas diferenças estilísticas, mas a coisa não está assim tão distante da tragédia fassbinderiana. É interessante que entre os grandes filme do De Palma, esse me parece aquele que está menos sob o seu controle, ainda que ele opere tantas coisas que exijam um evidente controle – há algo ali que parece absolutamente fora de lugar, ou pode ser mesmo apenas um triunfo completo de suas maestria cênica.

(série de imagens tão espirais quanto deu)

O vestiário feminino se desenha em Carrie (1976), de Brian De Palma.

Amy Irving, luz especial no meio das meninas? Carrie (1976), de Brain De Palma.

As recentes notícias que o filme serie refeito – ou o livro filmado outra vez – estimularam uma revisão, depois de alguns anos, do Carrie. A última vez que eu assisti foi há cinco anos, ou seja pouco tempo, então não houve tanto choque com mudanças. Minhas impressões mudaram muito mais quando eu vi daquela vez, com olhos um pouco mais abertos. É um filme que sofre muito na mão dos mitomanos. Ou é tratado pelo público com um grande filme, ou é visto como um De Palma menor. Talvez seja até aceitável, considerando o nível da obra do De Palma, que se considere ele menos genial. Menos genial que Blow Out, por exemplo. Ou seja, quase qualquer filme é.

Mas é um filmaço. Fiquei pensando em quanto material há ali pra ser discutido. Muitos grandes momentos típicos estão lá, mas são tantos as outras singularidades. A ousadia no senso de humor, grosseiro, e pastelão. O que falar da sequência em que o Tommy e seus parceiros, que até então eram figurantes e voltam a ser depois, compram roupas? Aliás, tratamento dado a quem está em cena, algo clássico do cineasta, é foda demais. Todo mundo está em cena, tudo é palco – cada pessoa no fundo do quadro tem um sorriso irônico, uma maldade escondida.

O que dizer dos olhares dedicados as meninas, sempre com sorrisos ambiguos demais. A cena da coroação, a hora da ópera do De Palma, é perfeita, câmera acompanha o movimento da menina entregando os votos, tapa na escada, câmera vêm acompanhando o caminho de tudo até ver a Amy Irving. Ali está dado a máxima dúvida em cena, tornando ainda mais brilhante a atuação do William Katt, no limite da gentileza, da falsidade, mas duma falsidade do tipo que não sabe qual. No momento em que ela está postada ali, no caminho do sistema, somos levados a inclui-la, uma vez que a câmera continua no caminho dele até terminar no reenquadramento do alto, onde o casal se torna rei e rainha. É simples e sofisticado – votos são alterados para que o golpe se instale, os autores do crime avisados, e aviso da concretização dado, ao fim do movimento. A interrogação está ali no momento em que o rosto de Amy aparece no traçado, e desevenda nos planos seguintes, onde cada luz no rosto da Amy Irving reforça o ressignificado e a mentira, mais uma vez, como fonte maior da dramaturgia do De Palma. Mas, moralmente, seria ela menos envolvida que os outros? Embora poupada pela parábola do King, autor do livro, enquanto a Carrie não poupa mais a ninguém, diante da maldade que cega seus sentidos… Difícil dizer se ter que viver eternamente amedrontada com o fato de que ela nunca soubesse de suas intenções, o filme parece apontar para uma perdição. Ainda sobre os olhares femininos, o De Palma tem uma compreensão exatamente do que é mais incrível na Nancy Allen, aquilo que de mais vulgar, mas diria que a singularidade é que é fascinante, em todas, por isso a beleza da Sissy é tão perfeita – não é nada óbvia, e, pode ser maluquice, fica mais bonita ensanguentada. Não dá pra finalziar sem mencionar o Billy Nolan, o personagem mais genial do mundo, o mais boçal da história do cinema, por isso mesmo fascinante, ele não responde uma frase com outra coerente, o tipo de atuação genial que os preguiçoso vão taxar sempre arquétipa e canastrona.

Os lábios carnudos da Nancy Allen. Carrie (1976), de Brian De Palma.

Ainda na peregrinação pelos slashers, esse é um dos piores filmes produzidos na época de ouro do slasher. Ou, pelo menos, é propagandeado assim, de um modo geral, por quem estuda o sub gênero. Sua grande curiosidade, além da maluquice de usar o ano novo como um feriado como os outros tantos usados em filmes de horror (Halloween, dia da mentira, dia dos namorados…), é que o filme é da Cannon, ainda quando a produtora estava longe do tamanho que teve nos anos oitenta. Os fãs de filmes de ação da época (American Ninja, Braddock, Falcão) sabem bem da importancia histórica dela, que tem tudo a ver com o mesmo tipo de filme cartoonesco. Isso fora ter produzido o melhor filme – ok, podemos discutir – do Cassavetes, Love Streams.

New Year’s Evil, de Emmet Walston, é ruim a beça, mas faz algumas inovações. Apesar de todo mundo usar roupas horríveis e ser ambientado de um jeito que faz parecer que estamos num futuro imaginário e não nos anos oitenta – acho que o mundo meio que parecia mesmo isso – ele mostra o assassino. O assassino está em cena o tempo todo, de face a mostra, e não é um super assassino nem nada. Mais: ele é meio que o herói do filme, mesmo. Não num subtexto, ele é e ponto. Sua mulher, teóricamente a mocinha, é uma antiga rainha do rock, fazendo um show na TV, algo assim, que acompanha comemorando o ano nov em cada fuso americano. O herói-vilão é o marido dela, embora isso seja uma surpresa no fim, que liga para o programa dizendo que matará uma mulher para cada horário. Ele grava e coloca no ar ao vivo, ligando pra lá. O filme teria até potencial, se não fosse tão mal realizado. Tudo é estruturado pra ela ser o exemplo de péssima mãe, péssima esposa, e tal, nos moldes mais machistas que qualquer filme da época conseguiu chegar, basicamente justificando que ela acabou com a vida de toda a familia dela, sendo a péssima pessoa que era.

Quem conhece e leva minimamente a sério os filmes da época, sabe que esse tipo de subtexto era comum, e sempre nesse molde, o cara é mesmo louco, assassino, puro mal,mas ao memso tempo que seu discurso, suas razões, ou em casos mais comuns os traumas, são reais, e muitas vexes, como nesse, tratados como um motivo justo para enlouquecer.

É um filme interessante para quem estuda os slashers, ou simplesmente curte o período, já que oferece muitas tentativas, mesmo que não exatamente dê certo.

* * *
Vou colar uns trechos de histórias divertidíssimas contadas no livro Going to Pieces, provavelmente o melhor trabalho de pesquisa sobre o slasher já lançado, feito pelo Adam Rockoff. Como trabalho critico pode se encontrar em tudo que é canto coisas mais interessantes sobre os filmes, ele é bem limitado, mas como pesquisador, o trabalho é fenomenal. Não só sobre o ponto de vista dos filmes, mas diz muito sobre o mercado, a formação das produtoras independentes, e como esse mundo de Hollywood se organizou, ou organizava… A historia que vou traduzir aí é contada pelo William Lustig, fala das filmagens de Maniac, um dos seus mais notórios filmes, que trafega ali entre os slashers que podem ser bem questionados se de fato o são – o Maniac é um filme de vigilante, pra irmos no universo filme b de nomes.

Nós filmamos numa locação abaixo da ponte de Verrazano, na estrada para Brooklyn. É proíbido atirar com uma arma na cidade, é claro. [risadas] Você não pode atirar com uma arma, especialmente com a sua equipe ao redor. Mas o único jeito de conseguir o efeito com o impacto do vento e ver a cabeça explodindo, era atirando com uma arma de verdade. E a pessoa que ia atirar com a arma de verdade em sua própria cabeça era o Savini (n.e. Tom Savini era o ator da cena também). O que aconteceu foi que, logo que ele atirou com a arma, nós colocamos ela num carro, mandando um assistente correr com ela para New Jersey. Tira essa arma da cidade o mais rápido possível. E bem, nós precisavamos desse carro, pra terminar a cena. Nós precisavamos de um plano, com a garota no carro. Nós precisavámos de vários planos fechados no carro de várias coisas que não havia dado tempo de filmar. Lembrando agora, a gente colocou peru e camarão pra dar uma cara de cérebro pra cabeça, e muito sangue falso. Então, ali tinhamos um carro cheio de sangue falso, e nós não podiamos limpá-lo porque precisávamos da continuidade. E estávamos filmando no meio da noite. Então demos o carro para um cara dirigir para Staten Island, que era logo depois da ponte. E para você atravessar a ponte tem que passar pelo pedágio. E o cara estava com um carro com um buraco de bala no vidro, e muito sangue falso dentro. E ele passou pelo pedágio e pagou normalmente. Quando ele consegue sair, estavam ali seis carros de polícia avançando. E ali está ele, tentando explicar porque o carro não registrado está cheio de sangue e com um buraco no meio dele.

Concepção visual é desse nível aí com Freddie Prinze Jr., Jennifer Love-Hewitt, Sarah Michelle Gellar & Ryan Phillipe em Eu sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado (1997), de Jim Gillespie.

Estou trabalhando numa espécie de guia, que envolve slashers, o que naturalmente está me levando a reassistir algumas coisas, como esse filme dos anos noventa. Na época, no auge do revival dos slashers, fizeram-se muitos filmes na base das referencias, era muito sintomático do momento. Esse filme veio depois do Panico, e roubava muita coisa dele, menos o talento e a concisão pra conduzir um filme do tipo. Na verdade, ele é inacreditável de ruim, se pensarmos como slasher – o uso da criatividade pras mortes é inexistente. Não tem uma steady-cam que pareça fazer sentido, o que é muito importante em slashers, já que o plano em primeiro pessoa é uma marca, o personagem do assassino é simplesmente um vulto, cujo interesse é no máximo o do seu desenho. Digo isso porque o cara com um gancho na mão, visualmente, deveria ser um vilão digno, mas o que o filme consegue fazer com ele, é pouco ou nada. Jim Gillespie é o diretor, aquele que fez com Stallone um dos filmes que afundaram a carreira dele, D-Tox. Eu não acho tão fraoc, acho bem melhor que esse clássico dos 90s. O mais interessante é que o filme se passa numa cidade pesqueira, e tem toda uma relação que ele tenta realizar, com esse universo, e o fato do herói (Freddie Prinze Jr., o mito) ser de uma família mais pobre e se tornar um pescador ser sua opção pra vida, enquanto os seus amigos, que nem são amigos de fato, são riquinhos que participam de desfiles na cidade. Só que é tão tosco, que talvez o Eu Ainda Sei, que veio um ano depois, seja mais digno como anedota social que ele. Pelo menos lá, o filme finge menos que tudo é uma construção tosca para que personagens sejam cortados ao meio. O melhro desse filme é mesmo que, excessão do Prinze Jr. que foi astro numa época e só, o elenco tem atores decentes e de carreira digna, com Jennifer Love-Hewitt, Sarah Michelle Gellar e Ryan Phillipe sendo os outros jovens. O efeito pop do momento atinge o filme mas tem pouco de interesse aqui. O que só evidência que o talento nunca esteve na concepção estrutural do roteiro.

Achei muito bom esse novo filme dos Dardenne. É evidente que muito do que sempre esteve continua lá, os humanismos exagerados, como o pai que abandona o filho mas não deixa de se preocupar com ele quando ele cai de um muro, mas vejo uma pequena mudança. Tem muito da agressividade – o personagem central é atormentado por espasmos loucos, ele não só comete erros, como os `humanos` de seus filmes, a questão aqui chega num ponto fisíco. É explosivo, fora de controle. A moral ainda circula, o amor da mulher por ele ainda é o que salva sua vida, mas o filme não é apenas um grande caminho pra isso. Há bem mais. Tem composições mais quentes, e a partir do Lorna, vejo que eles já lidam com sobrenatural. Nem tudo que se toca se explica, como a queda vertiginosa do garoto que sai andando, triunfante rumo a vida de amor que lhe espera. Daí que acho muito legal o exagero dramático da trilha – vai de colisão com o excessivo frio do resto, da fabula moral. Embora o caminho já apontasse para este lado, para mais experimentos, para o enriquecimento geral dos filmes, ainda assim não esperava ver algo forte assim, com peso que vai além da jornada determinada ao personagem. Não quero dizer que os outros são ruins, é argumentável que um seja melhor, mas vejo como filmes menos ricos, menos intensos. Talvez mais diretos, efetivamente, mas menos interessantes para além do `formato`.

O Garoto da Bicicleta (2011), de Jean-Pierre e Luc Dardenne

Escrevi aqui sobre o longa anterior, Mangue Negro (2009), do Rodrigo Aragão, justamente porque achava que ele tinha um trabalho que se destacava. Ao contrário da maioria dos realizadores que vivem nesse meio de filme semi-amador, fazendo filmes trash pra consumo deles mesmos, o Mangue Negro se preocupava bem menos com essa expectativa do público. Esses filmes do submundo de horror brasileiro costumam ser preguiçosos, enchendo-se de thrash metal nas sequencias de terror, e basicamente vivendo de roteiros com piadas escatológicas. Tem sempre os caras com mais talento que se destacam. O Aragão era um deles, justamente porque tinha um toque de artesanato – filme de interior. Lidava com mitologias brasileiras, as trabalhava, pensava e criava em cima de coisas muito fortes, ao invés de só se alimentar e copiar filmes de zumbis. Esse A Noite do Chupacabras, que aparentemente é baseado num curta dele, que não vi, não tive oportunidade, é um passo atrás. A defensiva do Aragão anunciando o filme já revelava, de certa forma, a afragilidade dele.

Não acho que ele tenha perdido o toque pessoal. Ainda vejo nesse filme a predileção pelo interior, pela cultura local. Por tentar engendrar algo novo, estruturando uma briga entre duas familias que por terra e ego se atacam o tempo todo. Só que tudo isso perde qualidade se o filme simplesmente só joga as coisas lá. Elas existem, são legais, mas o filme é muito largado. O zelo que ele tem em tantas sequencias naquele filme, como o personagem do velho, o mesmo Marcos Konká que volta nesse filme, aqui parece muito tosco. O filme não tem cena, não tem construção. Técnicamente ele continua na frente da maioria dos realizadores independentes, até mesmo a forma de representar o chupa-cabra acho bem bolada. Mas enquanto lá o apuro dos efeitos se juntava ao trabalho de realização, aqui é só um mérito pequeno.

O filme parece não querer ser cinema. E sim uma brincadeira pra amigos, trabalhosa, feita com zelo e amor, mas uma brincadeira. Não consigo ver a forma como ele coloca as coisas em cena sem notar o carinho pelo universo, a empolgação com as piadas e as pessoas ali. Mas a coisa não vai e o filme só joga para a galera, como se palavrão levasse o filme nas costas. Claro que tem momentos que são engraçados, mas é muito pobre como cinema. Tem hora que parece que não tem ninguém dirigindo, que a coisa só se juntou na montagem e tentou se dar ritmo. Apesar do cuidado de sempre, da bagagem e universo interessante que ele tenta criar – sem sucesso, desta vez, são coisas que estão lá, mas que só as vejo assim, claras e com interesse, porque vi o outro filme dele, que era bom. Talvez se tivesse apenas visto este, se quer teria o que dizer a favor dele. O filme meio que abandona muita coisa, o chupa-cabra mesmo é um fantasma em cena, não tem nenhum valor além do signo. Se no outro o talento lhe colocava como um diferente, esse aqui nao é ruim, só é mediocre. Apenas um outro filme mediocre desses.

Mais que ícone, o mito Fred Williamson em Black Caesar (1973), de Larry Cohen

Black Caesar foi exibido na mostra de blaxploitation do CCBB/CineSesc, é um dos filmes mais paradigmáticos do Larry COhen. Não vejo como um dos melhores, mas ainda assim é um puta filme. É seguramente o melhor filme dessa mostra. Com todo respeito ao Jack Hill, que é um cara com talento, mas seus filmes ganham uma dimensão de público um pouco exagerada. Dentro da comunidade de cinema daqui, só se falou nisso. Enquanto um maestral Cohen estava ali, sem atenção – e olha que ele fecha bem melhor com o tema. Fred Williamson como chefão, cinismo no auge nas piadas-limite de teor racial. James Brown! Uma trilha inteira. O filme dele é um grande mosaico, arquétipo de subida e descida de um jovem que desafia a lógica, tomando dos gangsters um bairro. Cohen trabalha o tempo num nivel especial – estamos numa elipse frenética, anos se passa num corte, mas a dimensão da mudança é puramnete moral/dramaturgica. Sem obviedades e facilidades tipicas do cinema mais recente. Sem cartelas, sem avisos. Só cortes. O filme corre, como a vida do protagonista, rápida e exagerada, sempre no limite, até sua queda, ao estilo Cohen. O Hell Up in Harlem não passou, assim como muitos outros filmes legais do movimento. O próprio COhen fez uma homenagem em 1996, um filme bem legal. O Hell Up é continuação, que tem uma história genial: ao saber do sucesso do Black Caesar, o Larry Cohen foi até os cinemas ele mesmo mandar cortar o fim, na mão, pro protagonista não morrer. Tudo a ver com o cinema marginal brasileiro, em muitos sentidos…

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Eu já sabia quem era esse grande Fernando Di Leo graças ao pessoal dos blogs de genero, que vivem mencionando sua existencia, e pelo Carlão, que já mencionou ele muitas vezes. Esse ano pude ver muitos filmes dele, mais de dez. O cara é mestre, por algum motivo ele acabou ficando mais pelo gueto do cinema italiano, sem alcançar um reconhecimento maior. Não é díficil entender sua obra : são filmes extremamente diretos, filmes de ação mesmo. Mesmo o único que vi que divergia um pouco no genero, era conduzido assim – seu estilo é puro, evidente. Poucos caras fizeram tantos filmes de ação tão fodas, ele fez pelo menos quatro filmes geniais. Aulas de matéria em movimento, montagem. Espetáculo.

Escolhi escrever sobre apenas um filme, para não cair em repetições – embora incriveis, singulares, seus filmes tambem são bastante semelhantes. Optei por Il Boss, por alguns motivos. O primeiro deles sendo que ele tem um dos grandes persongens do mundo dileoiando: Lanzetta. A face de Henry Silva diz muito sobre o cinema de Di Leo, esse ator duro, de face quase sem expressão. Ele fez muitos filmes com Di Leo, mas Lanzetta foi o melhor perosnagem, embora ele seja memorável em tantos outros, como no filme-testamento de Di Leo, o Killer contro killers. Nesse, o universo da máfia começa a colidir, e Lanzetta cresce num periodo de dias em meio a traições, passando de um homem de campo de ação, a um dos poucos comandantes que ficam de pé. É um filme de pouco respiro, que começa já com um primeiro ataque, curiosamente numa sala de cinema. Henry Silva só transforma um projetor em um canhão. Açáo em movimento, aula de como se conduzir uma montagem tensa sem que se perca todo o poder de imagem. Ele usa os ambientes, as cidades, os hábitos dos lugares de forma incrivel.

O Il Boss é de uma trilogia sobre a máfia em Milão que só tem obra-prima. Di Leo sempre trabalha nos cantos da ação com muita subversão, como a filha rebelde do chefão da máfia. Sequestrada, ela pouco se importa. Sua vida se tornou um grande vicio, no sexo e nas drogas. Em algum momento, Lanzetta cruza seu caminho. É o unico momento em que o destemido Silva parece sentir mais do que o desejo de seguir em frente. Numa batalha pela sobrevivencia, Lanzetta só sobrevive porque é o unico que não espera nada mais dos outros. Ele difere de muitos protagonistas dos outros filmes, mesmo os de Milão – são um pouco mais humanos, e consequentemente, o final para Lanzetta e para eles não é o mesmo. Há um certo fatalismo, e o futuro de Lanzetta deve ser tenebroso tambem, mas ele é um herói, e sua trajetória no filme termina com uma sinistra piada num “filme continua”.

Lanzetta estourando alguém em Il Boss (1973), de Fernando Di Leo

Fiz essa opção por falar sobre o As Presas, filme de horror de Antoine Cordier, porque conclui que os melhores filmes da Mostra, como The Day He Arrives, Sorelle Mai, As Canções, já tem a sua cobertura, devo fazer alguns comentários em breve sobre outro filmaço, o Histórias da Insonia, em outro veículo. Mas queria registrar este filme, que passou ali sem chamar a atenção, que causou revolta alias, pessoas sairam muito putas, falando que aquilo era ridículo. Extremamente comum, vindo de mostrófilos que não veem filmes inteiros, e que sempre esperam a mesma coisa de tudo que veem.

La Traque (2011), de Antoine Cordier

Não se trata de um filme dos mais fortes na sua completude. Mas ele tem momentos grandes, e estruturalmente mesmo os erros soam interessantes. A principal dificuldade, é que em meio ao horror no mato, ele parte para uma trama familiar delicada. Falta um tanto de mão com as sutilezas e brigas que ficam mais no campo externo ao filme, e nem sempre se tem o impacto que ele propõe. Mas o filme ão é apenas isso, e aquilo que fez a sala testemunhar a maior retirada que vi este ano (excedendo Mekas), é que é um filme duro, escuro, desagradável. O clima é forte, sempre que se foca mais na ação e menos no drama. Desconheço o cineasta, mas parece um caso de pouco experiencia. Pela forma como o filme cresce quando se desvencilha de sua armadilha. Tem uma cena incrível, em que o cara fica muito tempo soterrado em baixo de um porco selvagem. Um solo contaminado faz os porcos partirem como loucos contra tudo, e uma familia que sai pra caçar fica no meio disso numa noite. Fugindo em desespero, ele encontra apenas um dos porcos, já morto, como saída. Ele fica soterrado ensanguentado, sem respirar, tendo que lidar com os outros porcos, que o caçam, farejando seu cheiro, e seguindo seus pequenos movimentos. Ele só escapa porque fica tão imundo com o sangue do outro porco, que ele já não era mais humano para os outros. Sao desses momentos puro sangue, porrada, que o filme ganha respeito e o destaque. Não e um filme muito bom, mas tem muita cena boa. Merece ser visto fora da correria, smepre indo contra os filmes.

Arquitetei entrevistar o Don Coscarelli, no entanto infelizmente ele está finalizando um filme novo e mesmo se esforçando não pode ceder a entrevista nesse exato momento. Como esperei muito, resolvi ir em frente e mandar logo o post sobre os dois primeiros Phantasmas. Vi pela primeira vez esses filmes em VHS, muito tempo atrás, e uma das coisas mais marcantes era o aspecto road movie, batalha eterna que ele tem. Os personagens pelos filmes (são quatro) estão sempre numa mesma pegada, mesma corrida, emendando a perseguição ao temido ser do outro mundo, o Tall Man. Desta vez me apeguei a outras coisas, como o fato do filme ter um espirito folkiano, digamos. Do mundo pequeno, simples. São nessas cidadezinhas que o Tall Man faz sua passagem, sempre iguais, comunidades conservadoras, atropeladas pelos seres que o Tall Man faz.Pra quem não conhece a saga, nunca viu nada, o filme acompanha dois irmãos que vivem sozinhos, orfãos, quando um deles começa a ver que acontecem atividades estranhas acompanando um enterro, e descobrem que pelos cemitérios das cidadezinhas, o bando comandado pelo Tall Man, um ser de outra dimensão que transforma vivos e mortos em seres do seu mundo, implantam uma passagem pra outro mundo e vão destruindo sempre as populações. O Tall Man se alimenta do medo. E é incrívrel como o Mike, ainda pequeno no primeiro filme, não tem medo de nada. Essa noção de coragem explica bem o porque desse universo funcionar, os personagens nunca ßão desenvolvidos no campo mais profundo, eles são aquilo que fazem, são simples, diretos, definidos por sua coragem e generosidade. O trio é formado ainda com o Reggie, o cara mais legal do mundo. Enquanto o irmão mais velho fica no primeiro filme, num fim confuso, questionável, o Mike cresce, e volta no segundo como James LeGros, provavelmente num movimento dos produtores, nas demais continuações voltamos ao ator do original. O Mike original mistura melhor a vulnerabilidade com a pegada do personagem. O Legros faz o tipo galã, e fica meio esquisito, mas segura. O segundo é o pior pra mim mas essencialmente faz a s´rie ser o que ela é, um filme de constante perseguição, na estrada, em movimento. O Coscarelli não é nenhum genio, mas sabe construir as coisas a partir do pouco, das situações sempre menores, mas tem um característica que acho foda, a sensibilidade pra criar cenas marcantes. O Reggie tem uma incrível, que é uma coisa meio boba, sem maiores explicações. Ele toca a guiatarra, e do nada tem um momento de premonição, ele sente que tocando algo, que estava na sua guitarra, ele está se conectando com alguma coisa. É uma cena simples, mas forte, retomada no fim do filme, quando ele fecha os portais usando o mesmo toque na hastes como na sua guitarra. São momentos tão simples, sem formar um grande filme, mas um filme forte. E o ritmo, sempre progressivo, operário, sem exagero, sem cortes rápidos, no ritmo do caminhar. A trilha de pequenos acordes, segue o espirito operário, em marcha – evidentemente inspirada em Carpenter. Acho muito legal, e aos ratos do VHS que nucna tiveram a chance de ver, vale a pena, o filme tme estilo.

Como eu tinha falado noutro post, esse ano o Indie teve muita coisa interessante. Os motivos, são obvios. Entre os melhores do Bela Tarr que vi, não vejo o que eu poderia acrescentar ao emporeirado universo em que seus filmes passam, que os textos escritos em blogs por outros, como o Sérgio, dão conta. Fantasmas. CineSesc tinha muitos.

Entre os filmes da Claire Denis, vi mais. E realmente estão mais fortes pra mim, há um tanto de conflito em cena, na maioria do tempo. Acho que discordo do povo em geral, que parece ter ido mais a loucura com revisão de Bom Trabalho. Acho um filme mais importante dela, do que necessariamente um dos melhores. Ele se encaixa com uma beleza ao discurso critico. Em cena, sempre matéria, isso é evidente. Ele me lembro o Fassbinder, em alguns momentos, sei lá porque, talvez pela relação dos homens, que querem se devorar, acho que no Fassbinder a tensão entre os homens tá presente assim, embora a estética não se aproxime. Eu vi o Querelle há um tempão, foi dos primeiros, nem curto, mas pensei em alguns momentos nele. Enfim, essencial. Cineaste du notre temp com o Rivette ´um material realmente foda, basicamente andando, andando, com Rivette e Daney, os amigos que falam frances deram a notícia que as legendas eram medonhas, o que deve ter criado um efeito bizarro de fazer muita gente ter saído com ideias erradas. Por isso, não há porque arriscar falar do filme, pra além da evidente beleza dos velhinhos. O que mais me pegou foi esse filme do começo dela, urbano, menos pesado. Diria que ele seria um filme menor desses que todos conseguem identifica-lo. Mas eu discordo. Acho um filme foda. Esse tipo de filmes sobre imigrantes e os desacordos que eles encontram em Paris, surgiram algumas vezes depois desse. Pelo menos um é bem melhor que esse, mas ela já era assombrosa nesse tipo de dramaturgia. O mundo cai sob os personagens, mas eles teimam em sobreviver, persistir. Ela mostra o imperfeito concreto, a moral jamais consegue ser diferenciado da postura em cena dos personagens. Apesar de tudo que acontece, os personagens são pedras. Impassíveis. A parada é da crueldade mesmo.

(como era nova e como era gostosa a Golubeva, faltou tirar a roupa)

Encontrei esse filme meio sem qualquer tipo de comentário que notoriesasse – trata-se do mais comum filme B dos naso 30. E pra quem tem interesse por filmes B, é sempre muito legal ter contato com material do que se fazia nesse tipo de submundo naquele momento. The Hidden Hand – não sei se houve lançamento na época em terras brasileiras – faz o tipo comédia macabra. imagine o tipo de coisa que o Ivan Cardoso viu a vida toda e pirou. Esse filme é um deles. Sem maiores arroubos de genialidade, vemos a mais perfeita obra sem medo de ser minima. Um assassino louco foge, encontra-se com a irmã, que se aproveita de sua volta para se vingar de seus parentes, num universo onde a única pessoa com escrúpulos é uma donzela, que não tem sangue da familia. Nesse meio rápido, sem maiores desenvolvimentos, o filme dura menos de 70 minutos. Curto, grosso, tosco. Não é uma maravilha do submundo, mas diverte bem. Seus maiores méritos são mesmo o do objetivismo, a escola maior do filme B.

Satantango (1994), de Bela Tarr

Tem sido dias corridos, entre o indie e filmes vistos por aqui. Mas fica difícil ignorar essa sessão de Satantango no CineSesc. Mais um ponto pro Indie, que já estabeleceu-se como o melhor festival para retrospectivas do país. Além de oferecer um cinema maior, uma tela melhor, e levando a sério o fato de ter apoio público, sendo todo gratuito, o Indie já trouxe de tudo, cinematografias variadas, mas sempre tem algo a ser visto. A mostra do Bela Tarr interessa muito, pela raridade e pela descoberta. Esse filme, mais ainda, é como uma lenda para muita gente mais nova, um mito. Claro que o status mitíco atrapalha um tanto na expectativa, mas para quem conhece filmes do Bela Tarr, e eu vi Werckmeister Harmonies e o Homem de Londres antes, além doutros no próprio indie, o filme é bem tranqüilo, digo que não nem de perto o mais difícil dos filmes dele. O fato é que ser longo pode impedir alguém de assistir em uma sentada, mas dramaturgicamente é um filme sem arroubos táo radicais assim. Isso foi discutido depois do filmes e nos dias seguintes pelo pessoal que tem estado por lá, e de fato é meio complicado precisar o radicalismo – como pode se dizer que um filme de sete horas não possui radicalismo, sendo esse tempo todo dividido em cento e poucos planos. Digo então que narrativamente ele é bem simples, a parte a circularidade, é um filme que mais estica os seus momentos pra dar peso a moralidade da sua história, do que um filme que opte por fragmentar, ou simplesmente ser um grande breu narrativo. Se considerarmos o Gerry, o primeiro filme do Van Sant a ser diretamente ligado ao Bela Tarr, creditado pelo próprio, há bem menos ali pra se digerir, a presença da cena por ela mesma é bem mais forte. Mas além de planos longos, travellings, steadycam que segue os personagens pelo espaço meticulosamente estabelecido e filmado, o que mais me lembrou os filmes do Van Sant é a questão da circularidade. Efeito constante no Elefante, onde sempre caminhamos em rodeio, cruzando os personagens, cruzando os instantes sobre outros pov, e no Satantango isso é constante, mas diluído, na medida que o filme tem capítulos. Nunca pensei que isso no Elefante fosse algo confuso, então creio que a diferença de tratamento não expressa tanta coisa assim, mas acho que no Elefante tem um efeito mais forte, mesmo porque um fime mais compacto – no Satantango tem muito mais coisa pesando ao longo de suas horas. É um filme doloroso, quase assombroso. Tinha a impressão durante todo o filme que o personagem que todos os habitantes da vila temem, era algum ser fantástico, e de certa forma, náo deixa de ser, com sua postura em cena.

Queria registrar que revi From Beyond, e que é o mais delicioso das adaptaçóes do Lovecraft, um filme B que funciona na concepçáo do termo, direto, grosseiro, bem montado, sacana, tosco e louco, tudo em bom estilo, Stuart Gordon adapta bem demais os textos que ele se propõe, infelizmente isso faz com que quando lida com texto horrendo, vire babaquice.

Enfim assisti a esses dois filmes de canibal do período classico do genero. Jungle Holocaust é pioneiro, um dos primeiros a lidar com as imagens que viriam a ser copiadas pelos outros filmes, como de praxe na Itália. Imagens-símbolo existem em todas as cinematografias, mas a Itália copia num level diferente. Mas é injusto e irreal dizer, como muitos, que se viu um deles, basta. Primeiro, porque os filmes merecem ser vistos, mas porque o talento se apresenta em dose triplicada no trabalho do Deodato. Vi uns filmes do Umberto Lenzi de outros generos, a maioria era giallo, e já nao tinha visto nada muito elaborado. Mas quando se pega o Eaten Alive! e coloca de front ao Jungle Holocaust, a diferença assusta. Deodato tem personalidade, o filme tem peso, as cenas tem ritmo, tem emoção, o filme tem realização. Densidade, presença – longe de dizer que se trata de um filme brilhante. Mas é um filme. O Eaten Alive! é divertido e tal, mas é completamente sem corpo. Tudo parece corrido, jogado, uma aventurinha que por oportunidade passa-se na selva. Náo fosse o talento do ator, o mesmo Robert Kerman que comanda o Canibal Holocausto, o filme dificilmente teria qualquer interesse. Afora que abusa muito mais dos vicios, tentando juntar aos montes as cenas de tortura aos animais, cobras comendo tudo que é animal, tem até briga de bicho. As cenas de canibalismo são pouco elaboradas, não tem tensão. Os protagonistas são simpáticos, até demais. Chega a ser fácil a sensação de que eles merecem sobreviver. O grande mérito estrutural do Canibal Holocausto é o reverso da narrativa, j á que se simpatiza com o primeiro cara, que chega a selva e consegue se misturar, e depois se ve o seu oposto, com a equipe de filmagem. Ali, se cria uma zona de suspense – com eles qualquer coisa pode acontecer, inclusive o que acontece. Nesse filme é obvio que eles escapam. O Jungle tem mais suspense, e acompanha um cara que rapidamente se isola dos outros. O trabalho ali é de outro estilo. Sobrevivencia na selva, o cara fica preso por um grupo que não se mostra canibal, enjaulado, descobre seria usado como isca para caças, faminto. No sadismo evidente do Deodato, dá pra imaginar até Werner Herzog orquestrando o filme. A diferença é que Herzog respeita muito os mistérios e o mundo desses lugares, já o Deodato usa e abusa, deturpando e massacrando as coisas.

Essa lógica de filme sobrevivencia é legal, e se encaixa a ideia de luagr inexplorado. Tem cenas grosseiras, coisas bobas pra estabelecer o genero, mas na maioria do tempo o filme realmente sofre com o personagem, e leva a serio a sua proposta. A diferença de talento e de criatividade Deodato/Lenzi são intraduzíveis. Diria que o outro existe para quem quer ver mais um filme de canibal e acabou, tudo tá pra constar, a aventura náo tem peso, e se voce suporta ver animais se degladiando, conseguirá ver um filme de canibal. Nem acho que no Jungle ele vá tão afundo quanto possivel, na tortura pessoal do personagem, mas a coisa é sofrida, a ponto dos animais quase serem um peso menor no filme. O joelho do parceiro, os cogumelos, crocodilo, pancadaria, aves, fome. Tem muita coisas de fato em cena. O Eaten Alive! nem é ruim, mas não tem muito interessem em existir.

Sempre gostei muito do David Gordon Green, via nele uma espécie de qualidade rara, um cinema quase caipira. O cara sabia como lidar com referencias, misturava conceito sem ser um mero clonista. Lidava com engrenagens diversificadas. Aventura juvenil campestre, filme de relacionamento, seus filmes tinham um tempo único para os persongens. O lugar onde vivem, física e internamente, tinha um lugar muito importante aos filmes. Eram quase filmes poeira sem precisar de carros voando. Nada disso mudou, mas acho que esse filme me deixou com um pouco de receio por parecer que se o talento de criar universos, tempo de cena, beleza de imagens, tudo ainda está lá, eu temi um repeteco meio acomodado demais. Outra que falo, no começo seus filmes eram como um cantor de raíz, eram duros, agora eu diria que sào no máximo um alt country. Um bom, mas.

 

Mas vou falar sobre o Your Highness, que não merece ser chamado preguiçoso, muito menos de fraco. Achei que era mais um filme de maconheiro, e Pineapple não tem como ser sucedido nisso. Mas não tem muito disso, no sentido direto, ˜e um filme com imaginario cannabístico, outra pegada. Acho que ele parece que poderia ser melhor do que termina sendo porque tem alguns momentos animais. Se o Seth Rogen era roteirista no Pineapple, o Danny McBride faz o mesmo aqui, e realmente tem o poder e a cabeça do cara o filme. Talvez por ele ser um cara legal é que a coisa seja divertida, mas náo classicassa. O Pineapple era sobre o ato de fumar, o compartilhsmrnto, o sentimento; Your Highness ela não precisa ser vista, é sobre ideias que a maconha te dá. Tipo uma aventura com dragões. E minotauro. Ele está na melhor cena do filme, e o seu pinto nas melhores. Sem zoeira. O David Gordon Green é muito melhor que esse filme, mas nada que não permita ele ser bom por si.

Revi após algum tempo esse filme tão foda do Fulci. Sempre foi um dos meus preferidos de todo o mundo, um filme que é a essência do cinema fantástico. O inferno que surge do porão do hotel em Nova Orleans não tem sua imagem-reflexo no quadro visto em cena desde o começo num acaso. É pura artes plásticas. Em sua faceta mais grotesca, cada entranha aberto é um passo para o belíssimo fim. Sem mais para onde ir, sem forças para relutar. Nossos protagonistas mergulham num mundo novo, muito mais que inferno, vemos a declaração de amor ao grotesco. Nesse instante, o fantástico fez sentido.